segunda-feira, 13 de maio de 2013

Compreensão e cuidado devem ser reflexões emergenciais

Segundo pesquisa do Unicef realizada com jovens da Capital, entre R$ 60 e R$ 200 é o que eles precisam para viver

Como compreender a juventude? Há mais jovens na violência do que em ações positivas? “Para além das políticas públicas concretas, precisamos cultivar a cultura de saber e fazer”, alerta a professora universitária e pesquisadora das áreas de educação e cultura de paz, Kelma Matos.

Indecisões pessoais têm que ser consideradas também como prioridade
Fotos: Fabiane de Paula 


A primeira reflexão que deve ser feita quando se fala em juventude é a de que são tantas discussões a respeito do assunto que acabam camuflando uma questão central: como meninos e meninas estão sendo tratados?

Na opinião do gestor de programas do Unicef Ceará, Rui Aguiar, oportunidades que atendam às vontades da juventude não são cultivadas. “Falta ter e fazer cultura”. Ele aponta os eixos da formação da identidade (o papel que o jovem exerce em casa e na sociedade), da interação (ser reconhecido como parte de um grupo) e a construção da autonomia (planejamento do projeto de vida) como a tríade adolescente. “Precisamos investir nesses eixos para que o jovem tenha perspectivas de desenvolvimento social, intelectual e humano”.

A escola, por exemplo, individualiza e, portanto, não atende à necessidade que a juventude tem de interação – realizar tarefas em grupo. “Não há incentivo para que os jovens participem de trabalhos voluntários ou façam parte de grupos políticos, como grêmios estudantis, espirituais ou culturais. Falta uma rede de proteção comunitária que se ajuda e tem uma junção”, ressalta. Fora isso, nem a família, nem a escola e nem as comunidades estão preparando os jovens para serem autônomos, diz Aguiar.

Conforme pesquisa do Unicef com jovens de Fortaleza, entre R$ 60 e R$ 200 é o que eles precisam, por mês, para viver. Em busca dos R$ 60, meninos e meninas, muitas vezes, abrem mão da escola partem para o trabalho e até para o crime. “É o imediatismo que torna o adolescente mais vulnerável”, comenta o gestor do Unicef. Para ele, grande parte das motivações dos jovens está relacionada com a necessidade de consumo. “É errado dizer que eles só compram drogas. Na realidade, as precisões vão muito mais além. São roupas, celular, cultura e festas”.

Em busca do consumismo, eles acabam seguindo a lógica de conseguir atender às vontades, usando de meios mais desonestos. O gestor do Unicef lembra que a juventude da periferia não recebe mesada. “Como esses meninos vão pagar a festa?”.

Desvio
A professora Kelma Matos salienta que a sociedade está se embrutecendo a cada dia, o que faz com que desvie as ações do que é central: cuidar dos jovens. “Denominados da perspectiva da negação, eles não são crianças nem adultos”, conceitua.

As principais vulnerabilidades dos jovens são a pobreza, a violência, a escolaridade, a gravidez, a exploração do trabalho, a violência sexual, a chefia de família, raça e a região onde vivem. São problemas demais para uma juventude que nem sequer tem definições de personalidade. 

Para além do consumo e da violência, problemas dos mais graves, existe a dinâmica familiar que interfere, de maneira intensa, na vida dos jovens, seja em virtude da saída do pai de casa (ausentismo paterno), da morte do genitor, filhos de pais separados ou até mesmo abuso sexual cometido por padrastos, madrastas, tios, tias, pais e mães. “Grande parte dos lares de baixa renda do Ceará são comandados por mulheres ou adolescentes”, cita. O gestor do Unicef afirma que a comunidade não protege seus jovens. 

Impacto

“As dinâmicas das famílias são impactadas pelas políticas falhas. A baixa renda é geracional. A lógica dos clãs está errada em vários sentidos, a começar pela educação. Na classe média, como é natural, pais têm mais escolaridade que os filhos, mas, na classe baixa, é o contrário, os filhos até conseguem estudar e fazer uma faculdade, diferentemente dos pais que costumam não ter escolaridade alguma”.

Eles têm um longo caminho a seguir, mas, no meio do percurso, surgem perguntas que não são respondidas. 
Entre desejos e necessidades, o jovem acaba buscando meios ilícitos para suprir suas vontades fotos: Fabiane de Paula
Outra questão que deve ser levada em consideração é a de gênero. O sexo feminino, como destaca Aguiar, ocupa espaços hoje que os homens não têm conseguido ocupar. “Nas escolas, nas universidades e até mesmo nas colocações do mercado de trabalho podemos observar um número maior de mulheres. As oportunidades de emprego e renda têm surgido. A gente ainda tem a sociedade de ensino fundamental desigual. As meninas também têm mais acesso aos serviços de saúde. Até mesmo no ensino médio, que na década de 1970 era totalmente masculino, hoje tem mais pessoas do sexo feminino”. Nas Organizações Não-Governamentais (ONGs), grande parte do atendimento é de mulheres. “Esse é um fenômeno de gênero. Embora tenhamos uma equidade maior do que no século passado, a política não acompanha a igualdade. Como as mulheres foram alvo de submissões na sociedade patriarcal, as atenções governamentais são mais voltadas para elas”. 

Daí os homens se envolverem mais em crimes e as pessoas do sexo feminino sofrerem mais violência, sobretudo a sexual. Há muita inversão de valores, como consideram os especialistas no assunto. A escola não é atrativa para o jovem e, na saúde, não existe uma política de primeira consulta. Assim, os meninos acabam excluídos do tipo mais básico de atenção.

É possível chegar à conclusão de que a origem das questões que afetam os jovens está, em parte, nas políticas que não são universais, como aponta Aguiar. “Os governos até possuem boas intenções, mas não conseguem atender todos e cada vez mais as oportunidades vão diminuindo”, observa. E, quando se fala nos excluídos, aí é que as ações são verdadeiramente falhas, como aponta o coordenador da Associação O Pequeno Nazareno, Manoel Torquato. 

“É importante questionarmos por que as políticas não chegam para boa parte dos jovens de Fortaleza. Além de serem discriminatórias, são assistencialistas. Isso deixa um traço de muita miséria. O menino acaba sendo criado sem perspectiva de educação e renda e parte para usar drogas como uma espécie de fuga da realidade”, reflete. 

Torquato comenta que o jovem é reflexo da família. “Olhar para o problema do jovem é olhar para o da família. Antes de tudo, é preciso focar em políticas de inclusão e garantias de sobrevivência dos pais para que os meninos possam crescer respaldados”, acrescenta. O coordenador lembra que pequenos investimentos já possibilitam uma mudança significativa na vida da juventude de Fortaleza. 

Lina Moscoso Repórter 

Fonte: www.diariodonordeste.com.br

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